A substituição de dietas tradicionais por dietas baseadas em alimentos processados, mais rica em energia e pobre em nutrientes, rica em açúcar, gorduras de origem animal, somada ao aumento do sedentarismo, tem resultado no maior risco às doenças crônicas não transmissíveis. Este processo, conhecido como Transição Nutricional tem impactado drasticamente a saúde humana em todo o mundo, particularmente as populações mais vulneráveis do ponto de vista socioeconômico. Pesquisas anteriores (2002-2009) encontraram evidências da Transição Nutricional em comunidades ribeirinhas da região da Floresta Nacional de Caxiuanã, Pará, e foram motivadoras das perguntas desse trabalho. O que teria acontecido, do ponto de vista nutricional, 20 anos depois dos primeiros estudos com as famílias de Caxiuanã? Entre os anos de 2019 e 2023, retornei às mesmas comunidades para documentar o fenômeno da Transição Nutricional a longo prazo, registrando mudanças na dieta e no status nutricional dessas populações, buscando responder quais seriam impulsionadores desse processo hoje. A documentação e análise do processo de Transição Nutricional são fundamentais não apenas para a macro escala dos rumos da saúde humana globalmente, como para a compreensão das particularidades na microescala de contextos específicos como o de populações ribeirinhas. Disso depende o desenvolvimento de políticas e programas mais eficientes para promoção de saúde e qualidade de vida nessas comunidades rurais amazônicas. Adotando uma abordagem biocultural e decolonial, foram coletados e analisados dados via observações etnográficas e diário de bordo, entrevistas socioeconômicas e sobre consumo de alimentos, além de medidas antropométricas. As diferentes metodologias e abordagens empregadas possibilitaram o registro de alguns padrões esperados para uma população em transição nutricional, mas com especificidades associadas às dinâmicas locais tanto no que diz respeito à rotina e estilo de vida no bioma amazônico, quanto resultantes das relações de poder internas e externas (como Estado-Igreja). Análises estatísticas indicam que entre 2002-2021, o status nutricional das mulheres foi mais afetado, com a maior parcela dessa população encontrando-se com risco aumentado às doenças crônicas, embora para a toda a população tenha sido observado ganho de peso. As entrevistas e observação durante a vivência nas comunidades também permitiu documentar o aumento no consumo de alimentos ultraprocessados que, mesmo passados 20 anos desde o início do registro da Transição Nutricional nessas comunidades, não substituíram completamente a dieta tradicional ribeirinha. Finalmente, pude registrar o contexto de insegurança alimentar continuado, e sua associação com evidências de negligência e ausência do Estado. Foram identificadas intervenções em alimentação e saúde inadequadas quanto às orientações aceitas pelos órgãos de saúde e nutrição, e efeitos das mudanças climáticas no acesso aos alimentos. Nesse sentido, esse estudo corrobora a tese de que populações racializadas, no Brasil e no mundo, sofrem o nutricídio somado a outras formas que levam ao seu extermínio.

The replacement of traditional diets with diets based on processed foods, richer in energy and poor in nutrients, rich in sugar and fats of animal origin, combined with an increase in a sedentary lifestyle, has resulted in a greater risk of chronic non-communicable diseases. This process, known as the Nutritional Transition, has drastically impacted human health around the world, particularly the most vulnerable populations from a socioeconomic point of view. Previous research (2002-2009) found evidence of the Nutritional Transition in riverside communities in the Caxiuanã National Forest region, Pará, and motivated the questions in this work. What would have happened, from a nutritional point of view, 20 years after the first studies with the families of Caxiuanã? Between 2019 and 2023, I returned to the same communities to document the phenomenon of Nutritional Transition in the long term, recording changes in the diet and nutritional status of these populations, seeking to answer what drivers of this process today. Documentation and analysis of the Nutritional Transition process are fundamental for understanding the particularities at the microscale of specific contexts such as riverside populations, which contributes to the development of more efficient policies and programs to promote human health in riverside communities. Adopting a biocultural and decolonial approach, data were collected and analyzed through ethnographic observations and logbooks, socioeconomic and food consumption interviews, in addition to anthropometric measurements. The different methodologies and approaches used made it possible to record some expected patterns for a population in nutritional transition, but with specificities associated with local dynamics both regarding routine and lifestyle in the Amazon biome and resulting from internal power relations. and external (such as State-Church). Statistical analyzes indicate that between 2002-2021, the nutritional status of women was most affected, with the largest portion of this population being at increased risk of chronic diseases, although weight gain was observed for the entire population. The interviews and observation during the experience in the communities also made it possible to document the increase in the consumption of ultra-processed foods which, even after 20 years since the beginning of the Nutritional Transition in these communities, have not completely replaced the traditional riverside diet. Finally, I was able to record the context of continued food insecurity, and its association with evidence of negligence and absence of the State also through inadequate food and health interventions in relation to the guidelines accepted by health and nutrition bodies. In this sense, this study corroborates the thesis that racialized populations, in Brazil and around the world, suffer nutricide in addition to other forms that lead to their extermination.